Breves Considerações a Respeito do Plano Safra

Por: Eduardo de Oliveira Lima

29 Agosto 2023

Instituído em 2003 com o objetivo de fomentar a produção rural brasileira, o Plano Agrícola e Pecuário – apelidado de Plano Safra – é o principal instrumento de políticas públicas voltadas ao setor agropecuário e tem como objetivo estabelecer as origens e a destinações dos recursos para aplicação no financiamento agropecuário, com taxas de juros livres ou controladas, sendo estas últimas, equalizadas com recurso do Tesouro Nacional.

Além de relevante instrumento para buscar promover a segurança de umas das atividades mais sujeitas a riscos (alterações climáticas bruscas, exigências sanitárias, protecionistas internacionais, volatilidade de câmbio e preços entre outras), o crédito oficial foi responsável por transformar a posição do Brasil de importador de grãos, para o maior exportador líquido do mundo.

Desde sua criação, o governo federal anualmente apresenta o Plano Safra para vigência de 1º de julho a 30 junho do ano seguinte, trazendo o direcionamento de recursos públicos para financiar e assegurar as atividades de custeio, comercialização e investimentos de pequenos, médios e grandes produtores do país. Ademais, o Plano confere um olhar cuidadoso para a agricultura familiar e cooperativas.

As linhas de crédito do Plano Safra são submetidas a uma série de subprogramas de financiamento rural, com taxas de juros próprias que podem variar conforme a situação, contempladas especialmente dentro do Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Pronamp – Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural e linhas para demais produtores. O enquadramento da modalidade depende da atividade exercida pelo produtor rural, da renda anual e do tamanho da propriedade.

As linhas destinadas ao custeio têm por finalidade financiar a aquisição de animais para engorda, sementes e insumos, assim como custear despesas pertinentes ao processo produtivo. Já, o crédito para investimento é voltado para a modernização das propriedades rurais, irrigação e compra veículos. As demais linhas têm por objetivo financiar a automação, pesquisa genética, sistemas de agricultura digital, armazenagem, energia alternativa, renovação de maquinário e frota, modernização de complexos agroindustriais, capital de giro para cooperativas, sistemas produtivos e de comercialização agrícola, entre outros.

A última edição do Plano Safra (ou dos Planos, já que se optou por fragmentá-lo em dois), aplicável ao período compreendido entre 1º de julho de 2023 a 30 de junho de 2024, representa um valor recorde, tanto em relação à agricultura empresarial, como para a agricultura familiar.

Para a agricultura empresarial houve um avanço em relação ao período anterior de mais de 26% (vinte e seis por cento), alcançando R$364 bilhões de reais. Já para a agricultura familiar, o acréscimo foi da ordem de 34% (trinta e quatro por cento), com a disponibilização de R$ 77,6 bilhões.

A agricultura familiar, vale dizer, foi contemplada com a melhora nas condições de financiamento, redução de alíquotas na produção de determinados alimentos, criação de uma nova faixa de custeio para produtos da sociobiodiversidade, orgânicos e agroecológicos, além da inclusão de agricultores familiares de baixa renda.

Mulheres rurais terão uma linha de crédito específica. Quilombolas e assentadas da reforma agrária, por sua vez, terão aumento no abatimento previsto no Fomento Mulher de 10 pontos percentuais. Povos e comunidades tradicionais e indígenas foram incluídos como beneficiários.

O Plano atual, ainda, incentiva os sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, como a recuperação de pastagens, implantação e ampliação de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, adoção de práticas conservacionistas de uso e o manejo e proteção dos recursos naturais. Essa matriz ambiental é reforçada pela possibilidade de redução das taxas de custeio em até um ponto percentual, mediante a comprovação da adoção de tais práticas, bem como a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a ser analisado em três condições: Programa de Regularização Ambiental (PRA), inexistência de passivo ambiental e possibilidade de emissão de Cota de Reserva Ambiental.

Também foram prestigiados, com redução das taxas de juros para custeio, aqueles que adotarem práticas de: produção orgânica ou agroecológica, bioinsumos, biofertilizantes, tratamento de dejetos na suinocultura, sistemas para geração de energia renovável, rebanho bovino rastreado, recomposição de áreas de preservação permanente ou de reserva legal, certificação de sustentabilidade, além de outras práticas que envolvem produção sustentável e resultem em baixa emissão de gases causadores do efeito estufa.

Houve também a preocupação com o fortalecimento dos médios produtores rurais, mediante uma maior disponibilização de recursos para custeio e para investimento com a aplicação de taxas de juros mais baixas, além do aumento do limite da renda bruta anual para enquadramento nos programas específicos de crédito.

Esse Plano Safra, outrossim, impôs às instituições financeiras um incremento da exigibilidade de direcionamento dos recursos obrigatórios para operações de crédito rural, em 5% (cinco) pontos percentuais.

Outros temas que também receberam cuidado especial, com aumento expressivo do volume de recursos direcionados aos programas próprios, foram aqueles pertinentes ao financiamento para construção de armazéns (gargalo crítico na estocagem da produção) e sistemas de irrigação.

Como se nota, ainda que tenha sido fragmentado em dois Planos, contrariando o consolidado conceito de que o agronegócio é um só, Plano Safra 2023/2024 buscou conciliar o desenvolvimento do setor agropecuário, estabelecendo taxas e prazos atrativos para os programas de financiamento e ampliação dos recursos e de linhas específicas, com a preservação do meio ambiente e a mitigação das mudanças climáticas, incentivando a adoção de projetos agrícolas de baixo carbono e mais sustentáveis.

Essa toada sustentável, reforçada e ampliada pelo Plano atual, acaba por expor a ineficiência estatal, sobretudo ao prever prêmios para produtores que já tenham o CAR analisado, uma vez que os processos de análise do CAR esbarraram numa lentidão extraordinária. Fato é, que uma parcela relevante de produtores, dada a inoperância dos órgãos estatais responsáveis pela análise do CAR, ainda não tiveram seus processos analisados e não poderão ter acesso a esse benefício!

Em verdade, a burocracia permeada e besuntada nos processos de aderência aos subprogramas de financiamento rural continua sendo um gargalo para os produtores acessarem esses recursos. Não é segredo que recursos, sobretudo de custeio, devem ser liberados de forma ágil, porquanto a atividade agrícola tem janelas próprias, que se não trabalhadas no tempo correto, podem acarretar perdas irreparáveis para o cultivo. É mister a informatização ampla dos processos, simplificação dos procedimentos e a redução de exigências.

Tema relevante que deixou de ser abordado no Plano 2023/2024, diz respeito à verba destinada à subvenção do seguro rural. Esse é um assunto extremamente sensível, que não vem recebendo a atenção devida pelas políticas públicas. De fato, a subvenção ao prêmio do seguro deveria ser um dos principais instrumentos de política agrícola, porquanto imprescindível para a estabilidade da renda do produtor rural.

As intempéries climáticas, frequentes nos últimos anos, deixam ainda mais flagrante a relevância da contratação do seguro rural. A ausência de recursos para essa finalidade resulta, por conseguinte, em importante preocupação e gera insegurança ao sistema. Não por acaso, o Dr. Roberto Rodrigues, ex-ministro da agricultura e estudioso do setor agropecuário, defende que a subvenção ao prêmio do seguro rural haveria de ter sido uma das vertentes principais do Plano Safra.

Faltou, ademais, a devida atenção à definição de juros para financiamento da comercialização. Embora o Plano tenha previsto expressiva quantidade de recursos para o financiamento da construção de silos e armazéns, o efeito dessa medida é de médio prazo, não resolvendo o problema imediato da estocagem de grandes safras, o que termina por retirar do produtor a liberdade do arbítrio de quando vender sua produção. Era fundamental, por conseguinte, que o Plano Safra houvesse previsto um mecanismo de financiamento para a comercialização com juros definidos.

Outro gargalo importante é o limite de liberação por produtor. Foi estabelecido o limite de R$2.500.000,00, por CPF.

Também problemático, os valores máximos de enquadramento no Pronaf e no Pronamp, R$500.000,00 e R$2.400.000,00, respectivamente, que impõem uma restrição desarrazoada ao acesso às linhas de crédito, porquanto defasados e dissonantes com a realidade do setor.

Sem prejuízo dos gargalos identificados neste ou noutros Planos Safra, o fato é que o modelo de crédito rural no Brasil, como ressaltado pelo pesquisador do IPEA, Rogério Boueri, “é vítima de seu próprio sucesso”. A agropecuária brasileira, incentivada com o crédito oficial, cresceu exponencialmente e em ritmo muito superior ao orçamento do País. O orçamento público não conseguiu acompanhar o dinamismo do setor. O sistema atual, por conseguinte, dá sinais de esgotamento.

Dados revelam que, entre os anos 1976 e 2020, o Brasil aumentou a sua produção agrícola em 441%, a sua produtividade em 193% e a sua área agriculturável em 53%, o que traduz uma agropecuária altamente competitiva, tecnológica, robusta e sustentável.

Para a manutenção desse crescimento, é necessário vencer os desafios de financiamento. O crédito oficial, tradicionalmente garante aproximadamente 1/3 da demanda, sendo o restante atendido pelo setor privado, via mercado de crédito com juros não subsidiados, operações de barter e operações de mercado de capitais atreladas a títulos do agronegócio, como LCAs, CRAs e CDCAs.

A pujança do agronegócio, no entanto, precisa de mais. É verdade que novas alternativas no setor de crédito e de mercado de capitais vêm surgindo para fomentar o mercado privado de financiamento. A Lei do Agro, os Fiagros, as CPRs Verdes e a Lei do Agro 2 são exemplos disto.

Apesar do esforço contínuo dos agentes de mercado e de importantes players do setor, o fato é que muitos desses veículos ficam concentrados em poucos operadores. É necessário a difusão da informação. A Faria Lima precisa expandir fronteiras, sujar as botinas no barro dos rincões produtivos desse nosso Brasilzão. A expansão da percepção de que há outros meios de captação de recursos, além do custeio tradicional é imperativo.

O Estado, por seu turno, precisa ser cada vez mais ativo no incentivo às pesquisas e sua ampla divulgação ao setor. O contínuo fortalecimento da Embrapa é um caminho que não pode ter volta. O fomento a outros veículos de pesquisa, bem como à educação financeira são cruciais.

A disseminação do conhecimento científico e financeiro parece ser o caminho para trazer mais musculatura ao setor e destravar as necessidades de crédito represadas. O financiamento do setor agropecuário, por conseguinte, precisa ser continuamente repensado e planejado, sob pena de comprometimento da economia nacional, cada vez mais dependente do Agronegócio.

Notícias relacionadas

Carreira

Huck Otranto Camargo atua nas principais áreas do Direito, com ênfase em contencioso e arbitragem, societário, contratual, tributário, imobiliário, trabalhista, entretenimento, mídia, tecnologia, internet e esportes, propriedade intelectual, família e sucessões, recuperações judiciais e falências e direito administrativo.

Sob modelo próprio de gestão, o escritório apresenta um plano de carreira original e sintonizado com o espírito empreendedor dos sócios, desde seu ingresso no escritório.

Os estagiários são tratados como potenciais sócios. Seu treinamento visa envolvê-los progressivamente em todas as etapas de um caso, desde as pesquisas até a definição e execução da estratégia mais adequada. A organização das equipes e dos setores permite que os estagiários tenham contato com advogados de outras áreas, possibilitando a eles identificar a área de seu maior interesse. O objetivo é oferecer a todos a oportunidade de aprendizado intenso, de forma a complementar seus estudos universitários e prepará-los profissionalmente para novos desafios e responsabilidades.

Carreira

Áreas de interesse

| 0k

Mensagem enviada!

Endereços

São Paulo | SP

Av. Brigadeiro Faria Lima, 1744
6º andar - 01451 910
+55 11 3038 1000

Ver no Google Maps

Brasília | DF

SHS, Quadra 06 – Complexo Brasil XXI
Bloco C – Salas 506/507 - 70322-915
+55 61 3039 8430

Ver no Google Maps

Endereços

Endereços