STF inicia julgamento sobre a constitucionalidade da exigência de ICMS sobre softwares adquiridos mediante download

06 Maio 2020

O Supremo Tribunal Federal iniciou no mês de abril o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADIn”) n.º 1.945/MT, sob relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em que se discute a constitucionalidade da Lei Estadual n. º 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado do Mato do Grosso, que exige o Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Serviços (“ICMS”) sobre operações com programas de computador – software –, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados.

Trata-se do aguardado julgamento em que o STF deve se manifestar sobre a constitucionalidade da exigência de ICMS sobre operações de comercialização de softwares mediante download.

Após o início do julgamento, realizado em sessão virtual em virtude da interrupção das sessões presenciais do Pleno do STF em decorrência da pandemia da COVID-19, a Ministra Cármen Lúcia proferiu seu voto no sentido de julgar improcedente a ADIn n.º 1.945/MT, reconhecendo a constitucionalidade da exigência do ICMS na hipótese prevista pela lei mato-grossense, tendo sido seguida pelo Ministro Edson Fachin.

Na sequência, o processo foi retirado de pauta em virtude do pedido do Ministro Dias Toffoli.

O início do julgamento foi acompanhado de repercussão intensa. A realização do julgamento em sessão virtual foi alvo de críticas, em virtude da complexidade inerente à matéria, que demanda ampla discussão entre os Ministros, e, ainda, em virtude dos inúmeros amici curie. Ainda que se argumente que mesmo em sessão de julgamento virtual é possível o debate entre os Ministros, realização de despachos e sustentações orais pelos advogados, é inegável que a ausência de submissão da matéria ao Pleno em sessão presencial compromete a qualidade do amplo debate que a matéria merece.

Além disso, foi objeto de crítica a ausência do julgamento em conjunto da ADIn n.º 1.945/MT com as demais ações em que se discute matéria semelhante perante o STF e cujo julgamento estava originalmente previsto para a mesma sessão. Trata-se das ADIn 5.576/SP (relator Ministro Luís Roberto Barroso) e 5.659/MG (relator Ministro Dias Toffoli), as quais também discutem a constitucionalidade da exigência do ICMS sobre softwares, e do Recurso Extraordinário (“RE”) n.º 688.223/PR (relator Ministro Luiz Fux), o qual discute a constitucionalidade do Imposto sobre Serviços (“ISS”) sobre atividade de licenciamento e cessão de direito de uso de programa de computador.

De fato, seria prudente o julgamento conjunto de referidas ações, de forma a garantir uma solução coordenada para todas as discussões tributárias que versam sobre o tema e que perduram há anos, especialmente diante das disputas entre Estados e Municípios pela ratificação de sua competência para tributação de operações envolvendo softwares, além das intensas evoluções tecnológicas que impactam sua análise.

De um lado, os Estados – com amparo no Convênio CONFAZ n.º 106/17 – entendem que o ICMS pode ser exigido sobre as operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, (…) que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados (download). De outro lado, os Municípios – com amparo na Lei Complementar n.º 116/03 – exigem o ISS sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

A orientação dos Estados e Municípios acaba por gerar conflito de competência, que deverá ser dirimido pelo STF, o que justifica a pertinência do requerimento para que as ações sobre o tema fossem julgadas conjuntamente.

Ainda é difícil prever qual será a solução encontrada pelo STF, sendo necessário acompanhar as decisões a serem proferidas.

Mesmo diante disso, é possível traçar possíveis cenários à luz das decisões já proferidas sobre o tema.

É importante destacar que a classificação de operações envolvendo softwares – como de comercialização em meio digital, cessão de direito de uso ou licenciamento de programa de computador – é de fundamental relevância para o estudo dos efeitos tributários de cada uma das operações, visto que poderia resultar em cenários tributários absolutamente distintos, fazendo incidir ora um tributo, ora outro, a depender das conclusões encontradas. Levando-se em conta a peculiaridade dos negócios digitais face ao relativo ‘atraso’ do Direito em acompanhar e regulamentar as novas situações postas pelos avanços tecnológicos, é sempre relevante observar como é estruturada a operação envolvendo softwares para que se verifique o enquadramento no campo de incidência do ICMS, do ISS ou de nenhum deles.

Nesse contexto, o STF[1] consolidou entendimento no passado para os casos de comercialização de softwares com suporte físico (CD-rom, disquete, pen-drive, etc.), ao decidir que (i.) há incidência do ICMS, se o software for considerado ‘de prateleira’ (i.e., aqueles sem customização e que são direcionados para uma pluralidade de consumidores) e (ii.) há incidência de ISS, se o software for o resultado de serviços (de informática) prestados por um determinado contribuinte, que desenvolve um produto customizado para o seu cliente.

De acordo com esse entendimento, a comercialização de software com suporte físico, concebido para ser dirigido a uma pluralidade de ‘consumidores’, é traduzida como verdadeira ‘venda e compra’ de mercadoria. Por outro lado, se o software comercializado for customizado para um cliente específico, seria afastado o conceito de mercadoria e, consequentemente, a operação seria enquadrada como verdadeira prestação de serviços.

Em relação aos casos em que há comercialização dos softwares sem suporte físico, na hipótese de transferência eletrônica de dados (download), aguarda-se justamente o julgamento da ADIn n.º 1.945/MT, cujo julgamento foi iniciado em abril de 2020. Quando da apreciação de medida liminar em 2010[2], foi proferido voto (sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes) indeferindo a liminar, no qual foi reconhecida a possibilidade de incidência do ICMS, mesmo no caso de inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito.

À luz dessas considerações, mantido o entendimento clássico do STF no tocante à comercialização de softwares, existe possibilidade concreta de que seja reconhecida a incidência do ICMS sobre softwares adquiridos mediante download.

Ao mesmo tempo, existe também possibilidade concreta de que o STF reconheça a constitucionalidade da exigência do ISS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Esse risco é ainda mais latente desde o julgamento do RE n. 651.703/PR (relator Ministro Luiz Fux), que consagrou interpretação ampla do conceito de serviço – para além da clássica contraposição entre obrigações de dar e de fazer – contemplando também o oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador[3].

Assim, existe risco iminente de que o STF confirme a incidência do ICMS sobre comercialização de softwares por meio de download e, ao mesmo tempo, confirme a incidência do ISS sobre o licenciamento ou direito de uso de programas de computador. Tal desfecho dará continuidade às disputas entre Estados e Municípios pela tributação das atividades envolvendo softwares.

A solução para mitigar tal disputa pode vir das características tecnológicas das atividades envolvendo softwares. Nesse ponto, importante lembrar que a maioria dos softwares “de prateleira” atualmente comercializados pelas empresas do setor não implica na efetiva aquisição de mídia física, tampouco no download do programa de computador. Na verdade, na maioria dos casos (a título exemplificativo, nos casos do Windows ou Pacote Office), o consumidor apenas adquire licença de uso por tempo determinado, mediante pagamento de valor por prazo certo. Nesses casos, uma vez expirada a licença paga pelo consumidor, este perderá o direito de uso. Tal situação se enquadra na atividade de licenciamento ou direito de uso do programa de computador, a qual está inserida no campo de incidência do ISS. Tendo em vista que, à luz das características tecnológicas, não há efetiva aquisição do software (na acepção jurídica de efetiva tradição), percebe-se que o campo de incidência do ICMS – ainda que confirmado pelo STF – pode restar esvaziado.

Diante disso, confirma-se que a providência mais adequada seria o julgamento em conjunto pelo STF das ações sobre o tema, de modo a assegurar que fossem consideradas no mesmo julgamento todas as nuances sobre o tema e as características tecnológicas que permeiam o assunto.

De qualquer forma, é fundamental o monitoramento das decisões a serem proferidas sobre o tema, para se delimite com mais clareza o cenário a ser enfrentado por cada empresa do setor.

[1] STF, RE 176626, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998, publicado em 1112/1998.

[2] STF, ADI 1945 MC, Relator Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, publicado em 14/03/2011.

[3] STF, RE 651703, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2016, publicado em 26/04/2017.

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