Reflexos do COVID-19 nos Contratos Administrativos

Por: Elaine Perez

13 Abril 2020

Os impactos econômicos decorrentes das medidas de contenção à COVID-19 poderão afetar os contratos e as contratações por parte da Administração Pública, seja porque a arrecadação do Estado e o faturamento das empresas contratadas tendem a ser duramente afetados com a paralisação de atividades consideradas não essenciais, seja pela concentração de esforços no combate à doença.

A Manutenção dos Contratos Administrativos em Curso

A redução de oferta de insumos e o aumento de custo de serviços estratégicos (logística) e as determinações governamentais de contenção à pandemia (com fechamento de fronteiras e espaço aéreo), podem comprometer a execução de contratos administrativos em curso, como quanto aos prazos de entrega e cumprimento das obrigações assumidas pelo particular.

Para situações como as geradas pela pandemia de COVID-19, a Lei de Licitações prevê a possibilidade de rescisão ou a revisão do contrato firmado com a Administração Pública. São as chamadas situações de caso fortuito ou força maior, notoriamente em razão de uma situação imprevisível, cujos efeitos as partes não conseguem estimar, de consequências incalculáveis.

A resolução do contrato encontra fundamento no art. 78, XVII, da Lei 8.666/1993 o qual prevê “a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato”.

Já a revisão do contrato administrativo tem previsão no art. 65, II, ‘d’, da Lei 8.666/1993, que autoriza a modificação do contrato “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente (…) na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual”.

Tanto no caso de resolução, como no de revisão das bases do contrato é fundamental que haja prova efetiva e indiscutível da impossibilidade de cumprimento do contrato no prazo e condições originalmente contratados.

É fundamental, ainda, antes do particular ir a juízo reclamar o direito a resolução ou revisão, que a impossibilidade de cumprimento do contrato originalmente avençado seja tratada junto a Administração Pública de forma negociada, inclusive como forma de evitar aplicação de sanções dirigidas que podem ser impostas por esta última pelo descumprimento do contrato.

Por outro lado, buscando mitigar os graves impactos econômicos gerados pelas medidas adotadas para conter o avanço da epidemia, percebem-se iniciativas adotadas pelo Poder Público no sentido de manter contratos administrativos mesmo sem a devida contrapartida, como forma de preservar a renda das empresas contratadas e a remuneração dos profissionais envolvidos na execução de contratos com a Administração.

Exemplo desse tipo de política pública colhe-se no Município de São Paulo, que em 28 de março de 2020 editou a Lei n.º 17.335/2020 para autorizar a promoção de medidas excepcionais no âmbito dos contratos administrativos de prestação de serviços contínuos, visando à sua manutenção.

Dentre elas, está a manutenção do pagamento mensal nos contratos em que for indicada a suspensão total ou parcial dos serviços, deduzidas as despesas diretas e indiretas que efetivamente deixem de incorrer, garantindo, ao menos, o pagamento das despesas com pessoal e encargos trabalhistas.

Tanto quanto possível, é recomendável o diálogo com o Ente Público contratante para que tome conhecimento das dificuldades quanto à execução do objeto durante a pandemia e sobre a necessidade de readequação de cronogramas e/ou reequilíbrio econômico-financeiro contratual, sobretudo para resguardar os direitos do particular contratado perante os órgãos de controle.

A Lei N.º 13.979/20 Passa a Permitir Contratações Diretas para Enfrentamento da COVID-19

Em 20 de março de 2020, foi editada a Medida Provisória n.º 926, que alterou a Lei n.º 13.979/2020 para permitir a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19.

Possibilita, ainda, a contratação com empresas com inidoneidade declarada e que estejam impossibilitadas de contratar com a Administração Pública, desde que fique comprovado que é a única fornecedora do bem ou serviço a ser contratado, e a aquisição de equipamentos usados, hipótese em que o fornecedor ficará responsável pela qualidade do produto ofertado.

Vale destacar que o dever de licitar só estará suspenso se cumpridos os requisitos exigidos na lei, quais sejam, (i) a ocorrência de situação de emergência; (ii) a necessidade de pronto atendimento; (iii) a existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e (iv) a limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

Nesses casos, o particular contratado deve acompanhar os procedimentos adotados pelo Estado, a fim de garantir sua legalidade e se precaver contra questionamentos pelas entidades responsáveis pela fiscalização do procedimento, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

A Requisição de Bens e Serviços Necessários ao Enfrentamento da COVID-19 foi Referendada pela Lei 13.979/2020

A Lei Federal 13.979/2020 também estabeleceu que durante a pandemia as autoridades competentes estão legitimadas a efetuar a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa.

Trata-se de medida constritiva de caráter excepcional, a ser adotada somente após restarem infrutíferos outros instrumentos facilitadores da aquisição de bens e serviços essenciais ao combate à COVID-19 – que é o caso das contratações diretas -, e apenas com base em evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas em saúde, limitada ao mínimo indispensável à promoção e a preservação da saúde pública.

Lacunas na lei a respeito de parâmetros seguros de utilização do mecanismo e a inobservância de princípios básicos da Administração Pública podem acarretar abuso de autoridade, especialmente na requisição de medicamentos e produtos médicos.

Nos últimos dias, foram noticiados uma série de casos de requisições que recaem sobre fornecedores e hospitais particulares, sem que antes tenha-se esgotado as medidas menos gravosas que estão à disposição da Administração. Outras ilegalidades têm sido identificadas em casos de requisição administrativa de bens já comprometidos para atender contratos com a rede privada de saúde ou mesmo com entes públicos de outras esferas.

Alguns desses abusos já estão sendo submetidos ao controle do Poder Judiciário e espera-se que sejam veementemente coibidos a partir dos mecanismos jurídicos existentes.

A título exemplificativo, no Município de Cotia (SP), o Vice-Prefeito utilizou a guarda municipal para se apropriar de 35 respiradores de uma empresa fabricante de respiradores pulmonares, após ter sido proferida decisão judicial permitindo à municipalidade somente a compra dos aparelhos. Em plantão judicial, foi determinado que a Prefeitura de Cotia restitua imediatamente os aparelhos apreendidos, sob pena de multa e de responsabilização pessoal do Vice-Prefeito e do Prefeito do município[1].

A Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) também proferiu decisão suspendendo os efeitos de requisição administrativa de ventiladores pulmonares realizada pela União, já que haviam sido adquiridos pelo Município de Recife para utilização na rede pública municipal de saúde[2].

Diante da insegurança jurídica gerada pela discricionariedade das requisições administrativas, na última quinta-feira (02/04), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, participou de reunião com representantes de hospitais particulares e da indústria farmacêutica, na qual defendeu ações coordenadas entre as áreas de saúde público e privada.

Por fim, destaque-se que está em discussão no STF a aplicabilidade e a compatibilidade com a Constituição Federal da requisição administrativa, na mesma forma em que está prevista na Lei 13.979/2020, como uma das medidas que podem ser adotadas pelas autoridades competentes para o enfrentamento da COVID-19, através das ações diretas de inconstitucionalidade nº 6.343 e 6.362.

[1] Decisão liminar proferida em plantão judicial por magistrada da JFSP, nos autos de nº 0009157-30.2020.4.03.8001.

[2] Decisão proferida pelo presidente do TRF-5, nos autos de n.º 0802886-59.2020.4.05.0000, em 22 de março de 2020.

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