A pandemia impactou profundamente as relações locatícias, seja em razão do fechamento de estabelecimentos comerciais e de serviços não essenciais, seja em decorrência da crescente inadimplência.
A Lei de Locações não prevê especificamente regras para esse tipo de situação, sendo o melhor caminho, para os casos específicos, a negociação entre as partes para se alcançar uma relação contratual mais equilibrada.
Afora a solução consensual, eventuais medidas judiciais devem observar o caso concreto.
As mais variadas decisões têm sido proferidas nos Tribunais brasileiros e não existe até o momento uniformidade de entendimento, sendo certo que as situações devem ser analisadas dentro das suas especificidades.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por decisão liminar proferida em ação judicial que discute contrato de aluguel em shopping center, aplicou a teoria da imprevisão e os princípios da função social e boa-fé para afastar alguns encargos do locatário, tais como aluguel mínimo e fundo de promoção e propaganda, mantendo-se, por sua vez, o aluguel percentual sobre o faturamento e encargos condominiais, afirmando a cooperação e solidariedade entre as partes (processo n.º 0709038-25.2020.8.07.0001, em trâmite perante a 25ª Vara Cível de Brasília/DF).
Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo autorizou, em sede de tutela cautelar antecedente, o pagamento de apenas 30% (trinta por cento) do valor original de aluguel de imóvel não-residencial, devido à queda dos rendimentos do locatário (processo n.º 1026645-41.2020.8.26.0100, em trâmite perante a 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP).
Em sentido contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indeferiu tutela de urgência que objetivava a suspensão da exigibilidade de aluguéis, sob o fundamento de que “não se pode considerar a redução do faturamento em certo período como motivo de força maior ou caso fortuito”, admitindo, contudo, a vedação à extração de protesto pelo locador de título representativo de seu crédito por aluguéis (processo n.º 2063701-03.2020.8.26.0000, em trâmite perante a 36ª Câmara de Direito Privado).
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina também indeferiu pedido liminar de revisão de aluguel de imóvel não-residencial, sob o fundamento de que o desequilíbrio da relação entre as partes não pode ser analisado apenas sob a ótica de uma delas (processo n.º 5001853-72.2020.8.24.0079, em trâmite perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Videira/SC).
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em outra situação, analisando casos de inadimplemento contratual e pedido de despejo, posicionou-se pela impossibilidade de decretação do despejo, no curso do estado de calamidade pública, não apenas pela necessidade de se preservar a dignidade do devedor, bem como em razão de saúde pública (processos n.ºs 1001290-43.2019.8.26.0042 – Vara Única da Comarca de Altinópolis/SP, 1012820-58.2019.8.26.0005 – 3ª Vara Cível do Foro Regional de São Miguel Paulista da Comarca de São Paulo/SP e 1009132-13.2019.8.26.0127 – 4ª Vara Cível da Comarca de Carapicuíba/SP).
Por fim, é preciso destacar que o Senado aprovou no dia 3 de abril de 2020 o Projeto de Lei 1.179/2020, que define medidas específicas em contratos de locação.
A despeito de ainda pender a aprovação na Câmara dos Deputados e, posterior sanção presidencial, o referido Projeto de Lei veda, até 31 de dezembro de 2020, a prolação de decisões provisórias de despejo em ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020, assegurando, contudo, que o locador possa retomar seu imóvel para uso próprio ou de familiar, bem como nos casos de obras públicas ou em outras situações específicas.
Em resumo, referido Projeto de Lei visa suspender, durante a pandemia da COVID-19, a aplicação de algumas hipóteses previstas na Lei do Inquilinato que ensejariam a decretação de despejo liminarmente, como: (i) descumprimento de acordo assinado por escrito entre o proprietário e o inquilino, no qual tenha sido ajustado prazo mínimo de 6 (seis) meses para desocupação; (ii) demissão ou extinção do contrato de trabalho na hipótese em que aluguel do imóvel seja vinculado ao emprego; (iii) permanência do sublocatário no imóvel após a extinção do contrato; (iv) não apresentação de nova garantia pelo locatário, após a saída de seu fiador, dentro do prazo de 30 (trinta) dias; (v) término do prazo da locação de imóvel não residencial, em que o imóvel seria retomado pelo locador em até 30 (trinta) dias; e, (vi) não pagamento do aluguel, cujo contrato não possua caução, fiança, seguro de fiança e uso de fundos de investimento como garantia do pagamento.