No último dia 11 de junho de 2019, foi publicado o Decreto n.º 9.830/19 que regulamenta o disposto nos arts. 20 a 30 do Decreto-Lei n.º 4.657/42, também conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”). Tais artigos ora regulamentados haviam sido recentemente incluídos pela Lei n.º 13.655/18, cujo propósito foi dar concretude à segurança jurídica e à boa-fé na atuação da Administração Pública, em especial na tomada de decisões por parte de gestores públicos, de modo a proteger particulares contra eventuais excessos do ente público.
Em síntese, o Decreto n.º 9.830/19 assim regulamentou os artigos da LINDB:
Dever de medir consequências nas decisões públicas: os arts. 2º e 3º do Decreto regulamentaram o art. 20 da LINDB, mediante a prévia fixação de elementos a serem considerados na motivação das decisões que se baseiem em valores jurídicos abstratos, ao mesmo tempo em que estabelece os critérios a serem utilizados para aferição das consequências práticas da decisão proferida.
Regularização de situação administrativa inválida: o art. 4º do Decreto, por sua vez, regulamenta o art. 21 da LINDB ao estabelecer não só os critérios para modulação dos efeitos da invalidação de um ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, seja judicial ou administrativamente, mas também as respectivas consequências jurídicas e administrativas dessa invalidação.
Segurança jurídica na revisão de validade: o art. 5º do Decreto regulamenta o conteúdo do art. 24 da LINDB, por meio da definição de critérios a serem observados pelo Estado para não prejudicar os administrados que tenham seguido suas orientações gerais, vigentes à época de emanação do ato administrativo latu sensu sob revisão. O §1º do art. 5º estabelece, ainda, que resta vedado declarar inválida situação plenamente constituída devido à mudança posterior de orientação geral, mas ressalva a possibilidade de suspensão dos efeitos futuros de relação ainda em curso.
Transição jurídica nas decisões públicas: os arts. 6º e 7º do Decreto 9.830/19 visam regulamentar o art. 23 da LINDB ao tratar da aplicação do chamado “regime de transição”, estipulando parâmetros a serem seguidos em caso de superveniência de novas orientações e exigências sobre normas de conteúdo indeterminado. Tais dispositivos visam impedir o Estado de surpreender os particulares, garantindo a concessão de prazo razoável aos cidadãos para adaptação ao novo cenário.
Interpretação e aplicação de normas de gestão pública: o art. 8º do Decreto cuida da regulamentação do art. 22 da LINDB, e prevê que a motivação do ato de interpretação e aplicação do direito público pelo gestor público deverá observar os critérios de motivação inseridos nos arts. 2º, 3º e 4º do Decreto 9.830/19, acima indicados, destacando as circunstâncias práticas que balizaram o ato, limitaram ou condicionaram a ação do agente público em determinada situação.
Celebração de compromisso na aplicação do Direito Público: o art. 26 da LINDB, que autoriza expressamente o Estado a negociar acordos com interessados que visem acabar com conflitos e regularizar problemas sociais relevantes, foi regulamentado pelos arts. 9º, 10 e 11 do Decreto n.º 9.830/19, os quais determinam a forma e o modo pelo qual tais instrumentos de transação deverão ser celebrados, seja por meio de compromisso, seja por meio de termo de ajustamento de gestão.
Responsabilidade e segurança funcional: os arts. 12 a 17 do Decreto em análise tratam da regulamentação da responsabilização do agente público por suas decisões e opiniões técnicas na hipótese de dolo ou erro grosseiro, que se encontrava genericamente prevista pelo art. 28 da LINDB. Dentre as novidades, merecem destaque as previsões quanto à definição do chamado erro grosseiro (art. 12, §1º), critérios de aplicação da culpa in vigilando (art. 12, 6º) e que o valor do dano ao erário, por si só, não poderá configurar motivação suficiente para responsabilização do agente (art. 12, 5º e art. 13, §2º). Os arts. 14 e 15, a seu turno, estabelecem a forma de regresso do Estado contra o agente público transgressor, enquanto os arts. 16 e 17 preveem as circunstâncias a serem consideradas pela decisão que impuser sanções ao agente público.
Dever de consulta pública para edição de atos normativos: o art. 18 do Decreto regulamenta o art. 29 da LINDB e estabelece o procedimento a ser utilizado para realização de consulta pública atinente à edição de atos normativos por autoridades administrativas, sendo que a motivação da consulta pública deverá ocorrer na forma do art. 3º do Decreto.
Dever de aumentar segurança jurídico-administrativa: por fim, os arts. 19 a 24 do Decreto regulamentam o art. 30 da LINDB, estabelecendo diversos critérios a serem observados para garantir a segurança jurídico-administrativa, em especial a edição de normas gerais de caráter vinculante, isto é, regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, para reduzir o casuísmo na aplicação de normas de caráter geral pela Administração. O art. 20, por exemplo, estabelece que pareceres da Advocacia-Geral da União, emanados na forma da Lei Orgânica do referido órgão, vincularão toda a administração pública federal a partir do momento de sua edição (art. 20, 1º) e que tais pareceres terão prevalência sobre outros mecanismos de uniformização de entendimento (art. 20, 2º). Já o art. 22 estabelece tanto os critérios para edição de orientações normativas, quanto a vinculação dos órgãos da administração a seu conteúdo, o que também se aplica aos enunciados previstos pelo art. 23 do Decreto n.º 9.830/19. Já o art. 24 encerra as disposições do Decreto estabelecendo que todos os atos jurídicos previstos pelos arts. 19 a 23 deverão ser publicados eletronicamente para conhecimento público.