No mês de maio de 2018, a vida econômica e social do país experimentou uma situação extraordinária. A paralisação de empresas e/ou profissionais de transportes (por greve e/ou locaute, há controvérsias) e o bloqueios de estradas geraram graves problemas de abastecimento e estrangularam a circulação de pessoas e produtos.
Para muitos agentes econômicos, a situação criou sérios transtornos e, em certos casos, tornou inviável o cumprimento de obrigações contratuais anteriormente assumidas. Esse conjunto dos fatos e circunstâncias trouxe à tona relevante figura do direito das obrigações, correspondente à excludente de responsabilidade por caso fortuito e força maior.
O tema é tratado pelo art. 393 do Código Civil, que assim estabelece: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Em resumo, portanto: (a) a lei brasileira, ao contrário de outras legislações, não cria diferenças práticas entre caso fortuito e força maior; o direito brasileiro, portanto, atribui a ambas as situações as mesmas consequências jurídicas; (b) a regra legal é dispositiva, isto é, permite que as partes, por contrato, decidam assumir expressamente responsabilidades por caso fortuito e força maior, e com isso afastem a referida excludente de responsabilidade; no silêncio do contrato, prevalecerá a regra legal transcrita acima; e (c) as notas fundamentais da hipótese legal são a impossibilidade de cumprimento da obrigação e, de modo cumulativo, a impossibilidade de evitar ou impedir os eventos. Ao contrário do que ocorre com figuras como a onerosidade excessiva (art. 478 do Código Civil), não se exige que a situação seja imprevisível.
Não é incomum que contratos estabeleçam para as partes obrigações de informação e/ou comunicação à outra parte a respeito do evento de caso fortuito ou força maior. Mais concretamente, há contratos que, como requisito para a caracterização da excludente de responsabilidade, (a) exigem que a parte afetada declare ou comunique essa circunstância por escrito à outra parte, e/ou (b) exigem que a situação perdure por determinado tempo. Existem ainda casos em que a permanência do caso fortuito ou força maior pode gerar para as partes o direito de resolver o contrato, o que, por sua vez, pode gerar uma série de outras dúvidas e questões sobre o cabimento de multas e/ou indenizações previstas em lei ou contrato.
O que se vê é que o direito das obrigações traz decantados em si milênios de sabedoria prática, capaz de oferecer respostas relativamente seguras para problemas de contornos inauditos. Nesse caso específico, o direito brasileiro teve a virtude de não impor aos agentes econômicos uma solução legal cogente. Ao contrário, deixou espaço para as partes regularem livremente seus interesses diante de eventos impossíveis de evitar e, ao mesmo tempo, não deixou sem resposta aqueles que não quiseram ou não tiveram oportunidade de negociar a questão.